Marisol estava muito assustada. Durante as férias na casa de
tia Maria lá no interior de Minas
Gerais, tinha ouvido muitos “causos”, como o povo de lá costumava falar. O
Saco, o Boitatá e até o Curupira faziam parte das conversas com aquelas pessoas
tão carinhosas, mas isso tudo deixava Marisol agoniada, com medo mesmo. Para
completar, tinha jogado videogame por um
longo tempo com seu primos - lutas e monstros. Cada figura... de arrepiar!
Agora, era com a vó Vilma que ia desabafar.
Ao chegar, foi toda beijos e carinhos, mas logo depois,
começou o chororô.
Marisol - Vó, não
tenho dormido direito. Minha cabeça está cheia de figuras estranhas, monstros.
Eu sonho com eles. Agora, estou com muito medo.
Vó Vilma -- Ah, bobinha! Isso tudo faz parte da sua imaginação.
Marisol - Hã?
Vó Vilma -- Vá ao
dicionário e procure a palavra imaginação.
Assim a menina fez. Pegou o dicionário, que agora já era seu
grande amigo por tantas explicações que lhe dava e leu o significado em voz
alta.
Marisol - Aqui está,
vó. Imaginação “faculdade de imaginar, conceber e criar imagens. Coisa
imaginada. Fantasia. Cisma, apreensão.”
Vó Vilma -- Viu? É
algo que não existe, está em nossa cabeça.
Marisol - Mas eu
tenho medo. Não posso falar para os outros porque vão rir de mim, mas a verdade
é que eu estou com muito medo.
Vô Luiz-- O medo não
é bom conselheiro. – disse vô Luiz que estava chegando. O medo nos faz ver
gigantes onde temos formiguinhas.
Marisol - Mas o
senhor é grande, vô.
Vô Luiz - Solzinha, imagine que eu, que não vejo mais a luz
do dia, a beleza que existe em toda parte, que não vejo mais o rosto lindo de
sua avó e nem o seu, que eu sei que é lindo, imagine se eu fosse ficar com medo
por não enxergar com os olhos do corpo?
Marisol - Desculpe,
vô. O senhor tem razão. É muito difícil não ver.
Vô Luiz - Quem é que disse que eu não vejo? – perguntou
brincando.
Marisol - O senhor
não enxerga!?!? – falou Marisol encabulada.
Vô Luiz -Ah, meu bem. Quando Deus achou que era hora de eu
não enxergar mais com os olhos do corpo físico, abriu os olhos de minha alma de
uma maneira maravilhosa. Tudo na vida depende de como sentimos. E pelo que
ouvi, você está sentindo medo, não é?
Marisol - É é é é
é.....
Nossa! Com aquele “é” esticado, quase que se desmoronou a
chorar.
Vó Vilma -- Acho que
tem algo mais aí, Luiz. – disse vó Vilma com certa preocupação. – O que mais
tem aí, além do Curupira, Saci e etc.
Marisol - Vó,
Ronaldo, primo da Belinha, falou que o diabo fica atentado quem joga videogame.
Que Satanás toma a cabeça das crianças que gostam de jogos de matar. E eu
joguei com o Daniel, neto de tia Maria! – e assim dizendo, desatou a soluçar
sem parar, sem parar.
Vô Luiz abraçou Marisol e vó Vilma pegou um pouco de água.
Fizeram com que ela tomasse aos golinhos e foram massageando suas costas. Seu
coraçãozinho estava descompassado.
Depois dos primeiros momentos, conversaram de maneira calma,
mas séria, com ela.
Vó Vilma - Meu bem,
lembra do tesouro do qual lhe falei há algum tempo?
Marisol - Não.
Vó Vilma - Faça uma
forcinha.
Marisol - O livro dos
Espíritos?
Vó Vilma -- Sim. O
que ele diz sobre isso?
Marisol - Não sei, vó.
Vô Luiz - Mas eu sei. – disse vó Luiz segurando as mãozinhas
de Marisol. – Quando Kardec perguntou aos espíritos se todos os Espíritos são
iguais, se irradiam com igual força, os Espíritos lhe responderam que não, pois
há diferentes ordens de espíritos de acordo com o grau de perfeição que tenham
alcançado e essa força que irradiam depende do grau de pureza do espírito.
Marisol - Vô, não estou entendendo.
Vó Vilma -- O que
vovô quer que você entenda, é que nós, espíritas, aprendemos as diferentes
ordens de espíritos que há. Não utilizamos as palavras diabo, demônio porque as pessoas as utilizam
se referindo a um ser ou seres criados
para o mal. Satanás seria a personificação do mal, um ser cuja única
preocupação seria lutar contra Deus. Ora, se houvessem diabos, demônios e Satanás
eles seriam obra de Deus. Como é que Deus, justo e bom, criaria seres
destinados a serem eternamente maus e infelizes?
Marisol - É, vó. Não dá para aceitar isso.
Vó Vilma -- Nós
sabemos que os Espíritos são criados simples e ignorantes.
Marisol - Mas todos vão ser maus para depois serem bons?
Vó Vilma - Não,
querida. São ignorantes, ignoram que é
bom ser bom, fazer o bem. Ninguém tem que ser mau. Deus deu condições de
escolhermos entre o bem o e mal. Quem escolhe o mal, assim faz por vontade
própria.
Marisol - Escolhe
fazer o mal?
Vó Vilma -- Sim.
Marisol - Então a pessoa é boa e depois escolhe fazer o mal
e aí pode deixar de ser boa?
Vó Vilma -- Já
conversamos sobre isso. Não pode ser bom e voltar a ser mal. Quem evolui,
progride. Quem se torna melhor, não retrocede, não volta a ser mal.
Marisol - Mas quem
quiser só ficar fazendo coisa errada?
Vó Vilma -- Esse um
dia também vai ver um espírito perfeito, puro, mas o caminho que fará é muito
mais longo do que aquele que escolhe fazer o bem.
Marisol - Mas o Ronaldo falou aquelas coisas todas de mim,
pra mim.
Vô Luiz - Vamos voltar de novo para o início da conversa. –
interrompeu vô Luiz para que Marisol entendesse bem tudo.
Marisol - Lembra, vô,
que ele falou aquelas coisas porque eu joguei videogame com o Daniel.
Vô Luiz - Sim. Você já sabe que...
Marisol - Que nós espíritas não usamos as palavras Satanás,
diabo ou demônio porque nós sabemos que todos um dia serão espíritos perfeitos.
É enquanto eles não aprendem que é bom ser bom. – completou Marisol mostrando que tinha entendido. O
problema agora era o que o colega havia falado que aconteceria com ela.
Vô Luiz - Solzinha, o fato de você jogar videogame com lutas
não faz com que um espírito brincalhão ou
perturbador venha atrapalhar sua vida. O que pode ter acontecido é você
ter ficado impressionada pelas figuras, pelos desenhos e isso ter ficado em sua
mente. – explicou vovô carinhosamente.
Vó Vilma -- E como
isso passou a fazer parte do seu arquivo mental, figuras feias e horripilantes
passaram a vir toda hora à sua
lembrança, e isso está assustando você. – acrescentou vovó.
Marisol - Arquivo
mental, vô?
Vô Luiz - Tudo que vemos, ouvimos, sentimos, passa a fazer
parte de nosso arquivo mental. Poderemos até não perceber isso, não dar conta
disso, mas se nossos olhos viram, nossos
ouvidos ouviram, isso fica guardado dentro de nós.
Vó Vilma - É como se
tivéssemos uma caixa enorme para guardar tudinho que vemos, ouvimos e sentimos.
– completou vó Vilma.
Vô Luiz - Você guardaria fotografias ou desenho daqueles
monstros nessa caixa, se você fosse escolher o que ali colocar?
Marisol - Não, vô.
Vô Luiz - O que você guardaria? – quis saber o carinhoso
vovô.
Marisol - Meus
brinquedos, minhas bonecas, paisagens bonitas, meus amigos e, em especial,
vocês.
Vô Luiz - Mas você também guarda as revistas que seus colegas lhe mostraram, a
discussão que você viu na padaria, a declaração que o Jorge fez para Celina
quando ele cantou aquela música para ela bem alto aqui do lado de casa.
Marisol - Ih, vô...
Guarda isso tudo?
Vô Luiz - Isso e muito mais. Você não lembra, mas está aí
dentro guardado.
Vó Vilma -- Os filmes aos quais você assistiu, as palavras que ouviu, o que você
leu e viu na Internet. – continuou a avó. – Tudo isso faz parte do seu arquivo
mental. Portanto, o medo faz com que essas coisas cresçam tanto em importância
(que não têm) e a deixem assim: agoniada, sentindo-se insegura.
Marisol - Como é que eu melhoro, vó?
Vó Vilma -- Com
Jesus.
Vô Luiz - Você tem orado?
Marisol - Não muito.
– respondeu meio sem jeito.
Vó Vilma -- Orar é conversar. Fazer uma prece é falar. Só
que nós conversamos, falamos com Deus, com Jesus, com Nossa Senhora, com os bons espíritos, com
nosso anjo da guarda que, em nome de Deus, está sempre pronto a nos auxiliar.
Marisol - Mas... – levantou os ombros fazendo uma cara sem
graça.
Vô Luiz - Você não conversa com tanta gente? – perguntou o
vô Luiz sorridente. – Como diz sua mãe “Fala pelos cotovelos.”
Marisol - Ih...
Vô Luiz - Como não
conversar com nosso Pai que é Deus ou nosso irmão que é Jesus?!?!
Marisol - Ai, vô, acho
que você tem razão.
Vó Vilma -- Está
totalmente, completamente cheio de razão.-
arrematou vó Vilma. – Falar com Deus é tão importante quanto nos
alimentarmos. A comida dá o sustento para o corpo e a prece para o espírito.
Letícia - Falando em
alimento... Que tal uma salada de frutas? – chamou a mamãe que entrava na sala
com uma vasilha para cada um.
Marisol - Coloca
sorvete, mãe?
Letícia - Não. É bom
evitarmos todos os excessos para que o corpo fique com saúde. – arrematou a mãe
preocupada com as gostosuras que Marisol adorava ingerir. – As frutas são
excelentes alimentos e de-li-ci-o-sas!
Vô Luiz – Solzinha, à salada. Vamos? – propôs vovô.
Marisol - Claro, vô!!!!
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